Uma hora de claustrofóbico calor dentro do ônibus. Guarda-chuvas pingando, vidros cruelmente fechados, embaçados... A chuva apertando, as ruas alagando até formar um mar de água podre que carrega lixo, carros e pessoas. Pequenas conversas entre estranhos que comentam a aguaceira. A esperança de chegar logo e de uma chegada seca. Mas não... o mundo continuava caindo e os pingos mornos substituíam aos poucos o clima úmido e muito quente do ônibus, tão denso que poderia ser partido como uma fatia de torta com uma faca. O guarda-chuva teve sua utilidade bastante relativizada à medida que os pingos molhavam o tecido das minhas calças, subindo vagarosamente pelas minhas pernas. Após a libertação de colocar tudo o que devia ser protegido em um local seco, livre-me de toda a tralha e decidi que, como louca, sairia feliz pela rua, deixando-me molhar pelas gotas pesadas, aceitando aos poucos a sensação de estar sendo refrescada e rindo sozinha de minha própria estranheza. Caminhei um quarteirão e fui muito olhada por pessoas que, escondidas da chuva, pensavam tão alto que eu podia ouvir... "Mas será que enloqueceu?" "Coitadinha, deve ter esquecido o guarda-chuva em casa!" "Essa sim é doida!". Mas valeu a pena, porque enquanto ria da minha suposta insanidade, tive cada vez mais intenso sentimento de liberdade e de leveza! Talvez o inesesperado esteja em nós! Eu ainda não sabia disso!
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
todas as cartas de amor
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Poema de Álvaro de Campos, Foto de Henry-Cartier Bresson
Divagações....
O amor deve ser mais fácil de confessar do que o querer. Porque o amor é um estado no qual só tem o querer bem, o torcer para a pessoa ser feliz... O querer tem também o jogo, a dúvida; aquele que confessa querer é aquele que se rende, que se arrisca a romper o jogo. É quando se quer tanto que é preciso sair da dúvida, que se abre mão do próprio mistério para saber do querer (ou não) do outro.
Aquele que rompe o jogo deve ser corajoso, pois às vezes a única coisa que mantém o querer é a dúvida instigante. Quando tudo vem às claras há o risco de não poder mais voltar ao jogo, pois ele é mantido pela incerteza. É preciso um dizer que dá espaço para desdizer, paratanto as bebedeiras, as falas vazias, a falta de ação.
Mas chega um momento no qual é preciso dizer algo, pois, senão, tudo se torna amarelecido pelo tempo; a dúvida se converte em irritação e frustração, o talvez se transforma em não, o querer se amorna...
Porém, mesmo com as indicações de que este momento há de chegar, o medo de ser o que vai romper o jogo ainda é mais forte e a fala fenece diante dele como obediente subalterna.
Às vezes a ilusão da possibilidade é mais forte do que a verdade da realização.
Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Poema de Álvaro de Campos, Foto de Henry-Cartier Bresson
Divagações....
O amor deve ser mais fácil de confessar do que o querer. Porque o amor é um estado no qual só tem o querer bem, o torcer para a pessoa ser feliz... O querer tem também o jogo, a dúvida; aquele que confessa querer é aquele que se rende, que se arrisca a romper o jogo. É quando se quer tanto que é preciso sair da dúvida, que se abre mão do próprio mistério para saber do querer (ou não) do outro.
Aquele que rompe o jogo deve ser corajoso, pois às vezes a única coisa que mantém o querer é a dúvida instigante. Quando tudo vem às claras há o risco de não poder mais voltar ao jogo, pois ele é mantido pela incerteza. É preciso um dizer que dá espaço para desdizer, paratanto as bebedeiras, as falas vazias, a falta de ação.
Mas chega um momento no qual é preciso dizer algo, pois, senão, tudo se torna amarelecido pelo tempo; a dúvida se converte em irritação e frustração, o talvez se transforma em não, o querer se amorna...
Porém, mesmo com as indicações de que este momento há de chegar, o medo de ser o que vai romper o jogo ainda é mais forte e a fala fenece diante dele como obediente subalterna.
Às vezes a ilusão da possibilidade é mais forte do que a verdade da realização.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
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